Toda a minha vida foi marcada pela primeira infância, residindo na zona rural de Santa Catarina: a necessidade de ter espaço ao redor, de respirar profundamente, de deitar no chão. Gostava de andar na chuva, de tomar água com as mãos, de andar muito, apreciar as flores, as árvores, as pedras; aprendi a ser livre, a andar em qualquer direção sem me amarrar a nada, a nenhum caminho já feito, já dito, já traçado, já acabado. Ao mesmo tempo, a dureza do campo me formou rude, não aprendi a amaciar as palavras: aprendi a dizer francamente o que pensava, com simplicidade, aprendi a acreditar ingenuamente na transparência dos outros. Não aprendi, na roça, a dizer as coisas com elegância. O que penso, digo sem meias medidas.
Estudei com dificuldades. Tudo o que aprendi, aprendi lutando, com esforço, quebrando a cara. A vida tem sido minha escola. Valorizo muito, por isso, o esforço, a decisão, a vontade, a atenção, ao lado da transparência, da honestidade, do respeito, da ética. Os filhos das classes populares precisam fazer muito esforço para enfrentar as desvantagens iniciais em relação aos colegas das classes médias.
Gosto de política, história, arte, psicologia e informática. Iniciei o mestrado em lógica matemática na USP e depois desisti. Já trabalhei como eletricista, escriturário, vendedor de máquinas agrícolas e, ao mesmo tempo, fui professor de piano, professor de recreação em pré-escola, professor particular de matemática para o ginásio, apresentador de programas culturais de rádio, produtor de TV e cinema e, quando estava fazendo doutorado, em Genebra, como a bolsa não era suficiente, complementava o salário como trabalhador braçal, descarregando geladeiras e fogões numa transportadora, onde pude ter contato com trabalhadores italianos, espanhóis, portugueses, iugoslavos e de outras nacionalidades, que migraram para a Suíça.
Gosto de caminhar. Caminho muito, com meus filhos, assim como fazia com meus pais. Creio que nenhum amor subsiste sem longas caminhadas. Creio com Tomás de Aquino que vivere est se ipsum movere. Caminhar juntos é importante para resolver problemas familiares, intelectuais, amorosos etc. É minha terapia predileta. Gosto também de caminhar sozinho, sobretudo quando estou triste ou aborrecido.
Gosto de dar aulas, aulas simples, sem sofisticação. Gosto de ler textos em classe. De comentá-los. Ao mesmo tempo, sinto-me mal se a classe começa a dispersar-se, sair fora de um certo roteiro, de um certo plano. Sou exigente com os compromissos assumidos. Não consigo desmarcar nada do que está na agenda. Sinto dificuldade em dizer “não” quando me chamam para alguma palestra ou debate e isso me traz muitas encrencas, muitas jornadas cansativas, muitas horas de sono perdidas.